
Entrevista com Luis Kubota (IPEA), por Nilson Brandão
Esta entrevista foi realizada originalmente em português no dia 20 de dezembro de 2023.
Os últimos meses do ano intensificaram a corrida internacional pela regulação da Inteligência Artificial. Os dois países que contam com o maior protagonismo do líder do Poder Executivo, Estados Unidos e Inglaterra, capitanearam na mesma semana de novembro novos documentos sobre o tema. Outros avançam e 2024 deve ser um ano marcado por mais dinamismo regulatório no mundo.
Para analisar os desenvolvimentos sobre o tema nos principais países, o pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas (Ipea), Luis Claudio Kubota, partiu para a análise do assunto nos países que compõe o chamado G7, grupo dos países mais desenvolvidos do mundo. Em entrevista ao portal Understanding Artificial Intelligence (UAI), ele antecipa as conclusões preliminares do estudo, que está em vias de ser publicado.
Kubota é economista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1994), mestre (1999) e doutor (2007) em Administração pelo Instituto COPPEAD. Suas áreas de concentração são Tecnologias da Informação e Comunicação e educação. Antes do novo estudo, o economista havia publicado notas técnicas primeiro sobre a regulação na China e depois nos Estados Unidos, Japão e Reino Unido.
Ele comenta que a liderança do executivo, como nos Estados Unidos e Reino Unido, ajuda a avançar a regulação. “Existe uma liderança que vem do mais alto escalão. Acho que é bem diferente do nosso cenário”, comenta Kubota, referindo-se ao Brasil. Segundo ele, há um gap entre o que de regulação no país comparado aos integrantes do G7.
Na entrevista, ele conta ainda sobre como o Executivo brasileiro deveria ser mais ativo com relação ao tema e reconhece que a regulação da IA vem avançando mais nas duas casas do Congresso Nacional. Seu novo trabalho vai sumarizar os principais avanços no grupo de países do exterior e demonstrar os motivos das lacunas brasileiras sobre a regulação. Veja os principais trechos da conversa de Kubota com o UAI. As opiniões do entrevistado não refletem necessariamente as do Ipea.
Nilson: O que percebeu em seu primeiro trabalho sobre regulação em IA por país, começando pela China?
Kubota: O ecossistema de IA chinês apresenta particularidades, como a proibição de aplicativos ocidentais e o impacto do WeChat na geração de um volume significativo de dados. Outro aspecto é a ação governamental, alinhada de cima para baixo. Como país de partido único, as diretrizes do governo central são naturalmente adotadas pelos governos subnacionais, que implementam suas próprias políticas, alinhadas com a orientação superior. Outra característica é a expressiva disponibilidade de profissionais qualificados e a intensa competição entre empresas. A prática de imitação entre empresas não funciona como um impeditivo para a inovação, por conta da competição feroz entre as firmas.
Nilson: Já no seu segundo trabalho, você centrou foco nos Estados Unidos, Japão e Reino Unido. Qual a posição relativa do Brasil quanto a eles?
Kubota: O Congresso brasileiro avançou notavelmente na discussão em torno da regulamentação da IA. Apesar do lançamento da Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial em 2021, é evidente que o governo brasileiro está atrás de países como Japão, Estados Unidos e Reino Unido em termos de regulação e orientação de IA. Há lacunas a serem fechadas.
Nilson: Por que motivos é preciso preencher lacunas?
Kubota: O Poder Executivo brasileiro deveria ser mais ativo na regulação da IA. Vejo quatro razões. Uma razão para a promoção da regulação é que a IA pode potencialmente exacerbar questões relativas à prestação de serviços, privacidade e ética. Em segundo lugar, as políticas de IA do Governo Federal podem ter um bom efeito exemplificativo nos entes subnacionais. O terceiro ponto trata da natureza vertical da regulação, em que tradicionalmente ela é desenvolvida por ministérios setoriais e agências reguladoras. Outro ponto consiste no fato de que os três poderes do governo são usuários pesados dessa tecnologia. A regulamentação federal deve orientar o desenvolvimento interno de tais modelos, mas também a aquisição de serviços de IA. E, finalmente, a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA) propõe ações estratégicas sólidas relacionadas à legislação, mas parece haver falta de implementação.
Nilson: Quando analisa a regulação no grupo ampliado do G7, o que parece haver em comum entre os países?
Kubota: Em comum, pode-se ver que em todos os países existe atuação do Executivo no tema da IA. Muitas vezes isso acontece envolvendo diversos ministérios. Por outro lado, nos casos dos EUA e do Reino Unido, destacam-se, em especial, a forte atuação de seus dirigentes máximos no assunto. Os americanos lançaram sua Ordem Executiva sobre o tema, dois dias antes de o Reino Unido capitanear a declaração de Bletchley, um acordo internacional para regular a IA e identificar riscos de segurança da IA de preocupação compartilhada.
Nilson: Mais recentemente a União Europeia propôs uma abordagem baseada no risco, com quatro níveis (mínimo, alto, inaceitável e específico). O que lhe parece?
Kubota: A regulação baseada em risco é um dos dois pilares do PL 2338, de 2023 do Senado. Me parece que em alguns pontos houve problemas nessa “importação”. Por exemplo, o inciso IX do artigo 17 prevê que as aplicações da saúde são consideradas de “alto risco”. Entretanto, pode haver aplicações que tratem exclusivamente da burocracia de instituições de saúde, sem qualquer risco evidente aos pacientes. O substitutivo proposto pelo Senador Astronauta Marcos Pontes procura estabelecer critérios mais objetivos para o estabelecimento do risco, mas a implementação parece complexa (1).
Nilson: Como vê o momento da regulação da IA no Brasil?
Kubota: Do ponto de vista executivo, a gente tem um grande vazio. A Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA), lançada ainda no governo anterior, somente muito recentemente começou a ser revisada (2). Hoje, ela trabalha mais em princípios gerais, não vai a detalhes, como na Ordem Executiva americana. Já no Legislativo há mais avanços, cada casa tem um projeto, discussões avançaram.
Nilson: Mas qual é o prejuízo de o Brasil ainda não ter a sua regulação?
Kubota: A rigor, não vejo um prejuízo tão grande da falta de lei nesse momento. Estou entre os defensores das regulações setoriais, emitidas pelas agências setoriais. Hoje, vejo mais um prejuízo da falta de prioridade. Há discussões muito boas no Congresso e somente muito recentemente uma retomada do tema pelo Executivo.
(1) chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9514745&ts=1701182931014&disposition=inline
(2) https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/noticias/2023/12/mcti-anuncia-revisao-da-estrategia-brasileira-de-inteligencia-artificial