Seminário Regulação da Inteligência Artificial impactos na economia do Brasil
Instituto de Estudos Avançados- Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto
28 de fevereiro de 2024
Assista em: https://www.youtube.com/watch?v=HeQnlpTJqtw
Resumo do evento, por Guilherme Garcia, graduando em Filosofia e Pesquisador de no Departamento de Sociologia da FFLCH- USP).
Contextualização do evento: No dia 28 de fevereiro de 2024, a conferência “Regulação da Inteligência Artificial e impactos na economia do Brasil” realizada pelo Professor Vicente Bagnoli, da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, deu início a um ciclo de palestras que busca debater acerca de propostas de governança e regulação da inteligência artificial tanto ao nível nacional quanto internacional. A exposição aconteceu, simultaneamente, de maneira híbrida, no polo do Instituto de Estudos Avançados de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (IEA-RP), e nos canais do YouTube do Center for Artificial Intelligence (C4AI) e do próprio IEA-RP. Além disso, o evento teve a presença de três debatedores: A Professora Cíntia Rosa Pereira de Lima, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (USP); O Professor Evandro Eduardo Seron Ruiz, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP); e Paola Cantarini pós-doutoranda da Cátedra Oscar Sala do Instituto de Estudos Avançados (IEA - USP). A abertura e condução da conferência foi feita pela Professora Cristina Godoy Bernardo de Oliveira, da Faculdade de Direito de Ribeirão (USP), que integra a equipe organizadora do evento.
Ordem econômica na Constituição Federal de 1988: Ao iniciar sua exposição, Vicente Bagnoli recorre à Constituição Federal para examinar as conexões entre regulação e propriedades de mercado. Ele lembra que um dos fundamentos da república são os valores da livre iniciativa que envolvem economia de mercado, sistema econômico capitalista e empreendedorismo. A constituição estabelece no artigo 218 que um dos objetivos do Estado é assegurar o desenvolvimento nacional, o que está diretamente ligado ao progresso científico. Ao tratar da ordem econômica no artigo 170, ressalta que, ela é fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa e tem por fim, assegurar a todos a existência digna conforme os ditames da justiça social. Conforme o professor Vicente, não há como fazer justiça social se o mercado não funcionar de forma eficiente, o que implica, gerar empregos, proporcionar oportunidades, produzir e circular riquezas.
Regulação: Relações entre o Estado e a Iniciativa Privada: Ao estabelecer uma distinção entre os papéis do Estado e da iniciativa privada, o palestrante enfatiza que a iniciativa privada é a principal responsável por atuar no mercado, enquanto o Estado é uma exceção, devendo interferir somente em casos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo.
Então, qual seria a função do Estado para que o mercado pudesse funcionar de maneira eficiente? A função de ser um agente normativo e regulador da atividade econômica como previsto no Art. 174. A função do Estado, ao final, consiste em alcançar uma maximização de benefícios e minimização de custos, da mesma forma, pode e deve atuar em questões essenciais, uma vez que o mercado não se propõe a atuar nas necessidades da população. O mercado funcionando de forma eficiente não necessitaria do Estado para regular e fiscalizar, mas, ainda assim, teríamos a sua presença para assegurar a livre concorrência, fomentar o crescimento e prevenir riscos.
Por que o Estado acaba regulando? Em alguns casos, os ambientes não funcionam bem por apresentarem falhas de mercado; o Estado através da regulação, atua para incentivar e garantir a concorrência. A avaliação do professor é de que a regulação, portanto, é relevante em algumas situações, mas não em todas, pois, se o Estado resolve interferir no funcionamento do mercado, pode acabar atravancando o funcionamento, inviabilizando potenciais investidores que, poderiam ficar assustados com o excesso de regulação que o Estado coloca naquele mercado.
Precisamos Regular a Inteligência Artificial? É preciso preencher alguns requisitos para responder a essa pergunta, tais como a viabilidade de uma regulamentação específica, as deficiências no processo, a compreensão completa do objeto que se pretende regulamentar e o método de realização. Antes de nos debruçarmos sobre a necessidade ou não de regular a IA, é importante compreender o impacto potencial que essas tecnologias podem causar em diversas áreas da sociedade, sobretudo, em áreas sensíveis como saúde e mercado de trabalho. Esta noção aponta como a regulação pode ser essencial a longo prazo.
Quarta Revolução Industrial e Economia Digital: O mundo em que vivemos é o da quarta revolução industrial, período de computação em nuvem, segurança cibernética, digitalização, robótica, internet das coisas e inteligência artificial. Segundo o professor, esta quarta revolução em curso, muitas vezes, é caracterizada como a era digital onde o vencedor leva tudo, ou seja, não há chance de um segundo colocado, apenas há espaço para um, que tende a consolidar seu poder e concentrá-lo. Será que aquele que consolida poder deseja perder espaço?
A revolução também é marcada pelo capitalismo de vigilância, que utiliza os dados e informações geradas pelo homem como seu insumo e matéria-prima. As informações que oferecemos de maneira consciente, ou até inconsciente, são monetizadas, gerando riquezaspara as grandes empresas. As plataformas digitais se sobressaem diante dessa realidade, pois são capazes de extrair, controlar e analisar dados, exercendo um controle significativo sobre o comércio, as comunicações e o discurso público. Além disso, as plataformas que concentram maior quantidade de dados têm condição de desenvolver melhor a inteligência artificial e, consequentemente, atingir maiores vantagens econômicas. Isso acontece em função de efeitos de rede (networks effects), altos custos de troca (high switching costs) e uma capacidade extraordinária de criar e explorar ecossistemas a partir de vários sistemas interligados, aos quais os indivíduos costumam ficar “presos”. Após traçar esse diagnóstico, o professor levanta as seguintes questões: a IA pode trazer ganhos econômicos para o mercado? Os ganhos serão ao mercado, compartilhados com toda a sociedade, ou em razão de uma estrutura de mercado concentrado restrito a poucos? As grandes plataformas podem utilizar da vantagem competitiva para tirar benefícios da inteligência artificial em detrimento da sociedade e em prejuízo do mercado?
A União Europeia e o Brussels Effect: Ao confrontar o número de grandes plataformas criadas na Europa com as que surgiram nos Estados Unidos e China, fica claro a escassez do continente europeu. Apesar de tal discrepância, a União Europeia foi pioneira ao iniciar uma regulação sobre a atuação das grandes plataformas e seu relacionamento com os usuários, criando referenciais como a GDPR (General Data Protection Regulation); a DSA (The Digital Services Act); e a DSM (Digital Single Market aspects). Com base nas experiências da UE, um dos principais obstáculos apontados pelo professor Vicente é a demora no processo de adesão final, o que pode gerar estragos no mercado. Vale ressaltar que, a União Europeia exerce uma influência global significativa, inspirando outros países e suas legislações. Esse fenômeno de globalização dos processos regulatórios do bloco é conhecido como “The Brussels Effect”.
Brasil e o Copy and Paste: No Brasil, estão ocorrendo discussões acerca de projetos de lei que tratam da regulamentação das plataformas digitais e da inteligência artificial, destaque para a PL 2.630/2020 - lei brasileira de liberdade, responsabilidade e transparência na internet; e a PL 2338/2023 - que dispõe sobre o uso da inteligência artificial. Para o debate, é de suma importância perguntar como pretendemos desenvolver a nossa legislação, não podemos fazer um copy and paste de outros países, devemos compreender as especificidades culturais, econômicas e sociais do nosso país, identificando o melhor para a nossa realidade. Ao mesmo tempo, observar o que está sendo feito em outros lugares pode fornecer insights valiosos sobre o que pode funcionar no caso brasileiro. A PL no 2338, consolida o que foi tratado anteriormente e é um ótimo exemplo, pois se propõe a proteger diversos aspectos fundamentais, como direitos democráticos, desenvolvimento sustentável, científico e tecnológico, a não discriminação, a privacidade e a proteção de dados, além do respeito aos direitos trabalhistas, acesso à informação e à educação, e a promoção da livre iniciativa, livre concorrência e defesa do consumidor. Este projeto de lei, que tem como base os princípios da Constituição, demonstra a necessidade de se adaptar às particularidades brasileiras, ao mesmo tempo em que se incorpora aprendizados do contexto internacional, exemplificando o equilíbrio necessário na formulação de projetos regulatórios. Quando questionado sobre o desenvolvimento econômico e sua relação com a PL no 2338, Vicente afirma não ter como quantificar, no momento, o quanto o projeto de lei pode contribuir para o nosso desenvolvimento econômico. Ademais, questiona a viabilidade de se criar mais uma autoridade para a governança de IA, uma vez que envolve altos custos e já possuímos autoridades que poderiam lidar com esta questão.
Análise de impacto e discussão regulatória: O impacto regulatório é crucial para a elaboração de leis. Ao conceber um projeto de lei devemos definir os objetivos, compreender o contexto político, identificar as melhores opções regulatórias, analisar os custos para sociedades e empresas, potencializar benefícios, mitigar riscos, consultar partes envolvidas (sociedade civil, agentes atuantes no mercado e academia). Com isso, torna-se possível mensurar o impacto regulatório e concorrencial para tomar a decisão de regular algo ou não. Em seguida, o professor enfatiza a relevância dos agentes de mercado na discussão de políticas regulatórias, uma vez que possuem maior conhecimento, poder econômico e preocupação constante com o mercado a ser regulado. Ele também menciona o risco de captura, onde pode haver uma lei que regula um setor específico, mas nasce para beneficiar uma minoria que detém poder e não a classe, ou setor, que está sendo regulado.
Política de Concorrência e Desenvolvimento Econômico Brasileiro: A Política de concorrência, nesse caso, consiste na criação de um ambiente em que o mercado brasileiro, seja promotor, propulsor e inclusivo da inteligência artificial. O mercado ideal seria aquele em que todos ganham, atraindo empresas e startups para o desenvolvimento de inteligência artificial no país, fazendo com que investidores internacionais vejam o Brasil como lugar seguro e próspero para aplicar investimentos. O Brasil precisa oferecer um arcabouço legal, que seja amigável, trazendo segurança jurídica sem oprimir e inviabilizar a inovação e a atividade econômica. A crescente nos investimentos em matéria de IA no país, traz consigo oportunidades de uso para impulsionar a transformação nacional. Dado que possuímos excelentes universidades e mão de obra qualificada, é uma questão decisória, se os setores econômicos vão querer usufruir, usar e criar ferramentas de inteligência artificial. Segundo a Academia Brasileira de Ciências no texto sobre recomendações para o avanço da IA no Brasil, “O Brasil não pode correr o risco de ser apenas um usuário de soluções de IA concebidas no exterior (...) A falta de conhecimento perpetuará uma dependência cada vez maior das grandes corporações e dos países dominantes de tecnologia”. Com o advento e inserção da inteligência artificial em todo o mundo, ocorrerem mudanças significativas em relação ao mercado de trabalho. No Brasil, o FMI avalia que 41% dos empregos tem alta exposição à inteligência artificial, tanto no que diz respeito aos benefícios quanto aos riscos. Conforme o professor, empregos considerados de baixa complexidade (que exigem menor instrução) são os mais ameaçados pela tecnologia.
Considerações Finais: Observando os casos do poder político internacional, principalmente dos Estados Unidos e da China, fica visível que ambos os países reconhecem que as super-plataformas estão se tornando maiores do que o próprio Estado, o que levanta a necessidade de elaborar propostas para impor limites e regras para assegurar a soberania nacional. A avaliação do professor constata que uma vez que o direito da concorrência visa combater o abuso do poder econômico, proteger o livre mercado, a livre iniciativa e o controle estatal do poder econômico, não precisaríamos necessariamente de uma lei específica para as plataformas digitais, seria fundamental analisar o mercado das plataformas para ajustar soluções, e conseguir aplicar da melhor forma a lei concorrencial.
Embora grande parte dos problemas encontrados na concepção, desenvolvimento e uso da Inteligência Artificial possam ser de alguma forma enquadrados pela legislação existente, incluindo na área concorrencial, situações específicas requerem respostas específicas. Além disso, um erro da teoria da regulação é querer antecipar tudo, não há como prevermos todas as falhas de mercado e, caso regularmos demais, poderemos travar a inovação. Por fim, o professor deixa claro que as respostas estão em construção e não é somente através da regulação da inteligência artificial que todos os problemas serão resolvidos, a questão deve ser olhada pelos diversos aspectos da sua atuação, emprego e reflexo.