O Palácio que Tudo Muda: uma análise do jogo Dandy Ace® e o uso de inteligência artificial
Esta nota foi escrita em abril de 2024
Dandy Ace, desenvolvido pelo estúdio brasileiro Mad Mimic, tem como narrativa a jornada de um Mágico, personagem-título do jogo. O cenário é um castelo com diversas ambientações: salões, salas e pátios. Dandy, o mágico, está aprisionado em um espelho amaldiçoado por Lele, seu antagonista. O desenvolvimento da narrativa consiste nas tentativas de fuga desse objeto enfeitiçado. Enquanto gênero de videogame, trata-se de um jogo de RPG (role-playing game) em estilo rogue-like.
Nos videogames, os algoritmos presenciados na maioria dos jogos digitais “são processos passo a passo que geram uma solução para um problema de inteligência artificial (…) determinam em que direção se mover para interceptar um inimigo em fuga, algoritmos que aprendem o que o jogador fará em seguida, e muitos outros”. Além disso, os algoritmos são alocados em “estruturas de dados” nas quais “um algoritmo pode manipulá-lo rapidamente para chegar a uma solução” (Millington, 2016, p. 13).
A inteligência artificial, mesmo que dependente de memórias e algoritmos, desenvolve questões e respostas a partir de sua programação. Apesar disso, sublinha-se que os jogos não pensam sozinhos, mas carregam códigos que aprimoram suas habilidades baseadas nas interações dos jogadores, tendo em vista um processo de aprendizagem em etapas, não havendo a mesma resolução a todo instante, pois o algoritmo projeta comandos dentro do jogo com variadas instruções para cada ação e reação (Togelius, 2018, pp.27-36).
Durante as partidas em Dandy Ace são acrescidos bônus e atributos conforme a localização de cartas mágicas coloridas (amarelas, azuis e roxas). Cada uma dessas possuí um tipo de funcionalidade: as azuis são de movimento e evasão, as roxas correspondem aos ataques de curta distância e as amarelas aos ataques de longa distância. Além disso, há “fragmentos” que são coletados após as batalhas e servem como forma de desbloqueio para certos benefícios, por exemplo, aumento de força e energia, qualidade de poções de chá mágico que servem aumentar a quantidade de pontuação na barra de vida, entre outros. Em outros momentos, “bolinhos” aparecem após os inimigos serem derrotados, servindo como “alimento” e recuperação dos danos causados pelas personagens adversárias. Essas subtraem os pontos na barra de vida quando os ataques alcançam a personagem. Os ataques geram efeitos de mudanças na coloração conforme os impactos causados, como nas figuras 1 e 2.
As tentativas de fugas acontecem pela exploração dos salões e os pátios externos. Essas ambientações são inseridas em dois espelhos disponibilizados ao longo do percurso. A movimentação de Dandy Ace é livre na medida em que durante o trajeto, possibilita-se o retorno para os espaços já explorados, assim como a descoberta de duas saídas possíveis para a progressão das fases.
Nesse sentido, é devido à técnica de implementação nos jogos que o algoritmo se torna eficiente, pois “movimento de personagens, tomada de decisões sobre onde se mover e o pensamento tático e estratégico”. Esses três elementos convergem para os estados de “representação”, isto é, os dados são coletados e processados em “formatos adequados para eficiência”. A partir da representação dos algoritmos em inteligência artificial é que são otimizadas e construídas as tecnologias para usos nos jogos (Millington, 2006, pp. 21-27).
Cada escolha durante o jogo repercute em diferentes espaços internos que podem ser acessados com a utilização de chaves (verde, vermelha, azul e lilás). As demais salas estão abertas, embora algumas fechem-se em grades com formato de lança evitando a saída de Dandy Ace e ocasionando o aparecimento dos inimigos. As salas são destrancadas após a batalha e uma carta mágica é colocada no ambiente, podendo ser usada como atributo ou vendida, como na figura 1.
O gênero de jogo e estilo visual é baseado na aplicação de modelagem procedural. Nesse caso, o algoritmo de programação atua “como um método de automatização na geração de conteúdos assim como de objetos, salas, cenários, levels (…) O fator inovador inserido (…) é a junção de dados à função algorítmica (…) de modo que cada experiência de cada jogador se torne única. Se antes, um jogo seria um conjunto predelineado e previsível, agora temos uma narrativa experiencial aberta” (Leite, 2017, p. 64), como na figura 3.
A “narrativa experiencial aberta” é um processo contínuo de transformações, isto é, a “previsibilidade” de mecânica do jogo, caminhos e direções dos mapas, posição de adversários, entre outros, são permanentemente modificados. A aplicação desse algoritmo cria novas formas de jogabilidade. O sistema procedural faz com que os agentes inteligentes possam exercer suas melhores qualidades buscando os resultados em acordo com a programação.
Durante o jogo, os efeitos de ataques e defesas se complementam em relação à ação e reação do agente inteligente. As etapas e fases nas partidas são construídas permanentemente para que os algoritmos “ajam” dependendo do “ambiente” e “natureza”. Assim, a programação algorítmica é pensada como uma arquitetura relacional entre as máquinas e os seres humanos. As operações entre ambos configuram os sentidos das interações que se presenciam no desenho computacional do videogame e na integração proposta pelos sistemas de inteligência artificial e sua “ação como” e não “pensar como”. A integração acontece no ambiente (espaço onde o jogo de desenvolve), na medida de desempenho (estratégias para resolução de problemas), na direção (movimentos), nos atuadores (modificações e inserção de mensagens) e nos sensores (dispositivos e interfaces acopladas que permitem a realizam de movimentos e transmissão de imagens e sons no aparelho audiovisual) (Norvig; Russel, 2003).
Os sensores em Dandy Ace são os comandos na interface sensorial do joystick pelo uso de botões específicos que comandam as ações que se projetam nas interfaces gráficas[1].Os atuadores são representados pelos adversários do protagonista, assim como ele próprio comandado por um jogador. Cada espelho representa um caminho a ser escolhido e modifica a maneira de se jogar.
Os algoritmos criam as etapas nas quais os elementos gráficos e sonoros são colocados nos videogames para exploração e experiência de jogadores e jogadoras. É a partir dessa integração que design e as regras serão desenvolvidos para o jogo. O resultado desse processo de desenvolvimento tecnológico e os sistemas de softwares com processadores, renderização de imagem e gráficos formam, posteriormente, no jogo digital, a estética, a imersividade e a interatividade (Tschang, 2004, pp. 114-117).
Durante os combates, parte do sistema de ações do agente considera o conjunto de comportamentos programados, percepção dos sensores, atuações e objetivos de cada personagem. Entretanto, esses efeitos são modificados conforme a aplicação de inteligência artificial que modela as recompensas ou bonificações encontradas. Assim, ajustam-se as expectativas do jogo com o avanço pelos cenários. Ao explorar continuamente o espaço, as passagens de fases implicam a continuidade dos aumentos de níveis. Acúmulo de cartas mágicas em slots (4 cartas principais e 4 cartas de potencializações) aumentam o poder mágico.
Pelas características do gênero rogue-like, a experiência de aprendizado consiste em ser derrotado inúmeras vezes. Em cada “derrota” outras configurações são estabelecidas e a dinâmica procedural ocorre na mecânica interna, por exemplo, a modificação das salas de escape, a descoberta de novos espaços e caminhos a serem percorridos, assim como nova disposição de cartas mágicas e seus efeitos, como na figura 5 e 6.
Assim, a programação do jogo cria uma estratégia de “explorar sentimentos” na medida em que o design apresenta frases, diálogos do antagonista e conversas quando do encontro com os vilões ao final de cada sala principal. As regras correspondem às estratégias de ações e controle sobre a atividade do jogo, mesmo que em alguns momentos falhas possam acontecer. Desse modo, cada ação do jogador é medida como cálculo e regras que equilibram o funcionamento dos sensores e atuadores em Dandy Ace.
Portanto, a combinação entre a inteligência artificial e os elementos técnicos de programação, assim como a forma de forma criadas no sistema interativo, produzem interesse na resolução das batalhas e avanço nas fases do jogo. A linguagem, os códigos e as regras se estruturam pela aplicação de algoritmos que constroem a realidade em Dandy Ace, propiciando com que as práticas de jogar desenvolvam habilidades e aprendizados, tanto dos sistemas computacionais quanto dos jogadores.
Figura 1: O design de Dandy Ace®. Distribuição na interface dos elementos visuais com as cartas mágicas posicionadas embaixo e centralizada, o mapa de localização do lado direito, assim como três atributos especiais. Do lado esquerdo, abaixo, os fragmentos em cor azul e as moedas para a compra de cartas mágicas. Acima, a mensagem do antagonista Lele, a respeito do aprisionamento do Mágico na sala. A coloração da personagem atingida por um ataque muda de tonalidade e produz o que é “discernível” durante o jogo.
Figura 2: O ¨bolinho¨ é um acréscimo na barra vida. Eventualmente, surge após a derrota de algum inimigo, auxiliando na continuidade da partida.
Figura 3: O surgimento dos adversários. A posição é estratégica para "cercar" e espalhar as formas de ataque ao Mágico. A variação de posicionamentos é um dos recursos pelo algoritmo procedural sem previsibilidade de ocupação dos espaços das personagens inimigas.
Figura 4: Em cada um desses, o nível dos combates é alterado conforme a presença de novas personagens e vilões (Axolângelo, Scissorella, Severino e Lele), após o término do circuito de três fases por nível.
Figura 5: O jogo alterna os níveis de dificuldade internamente pela progressão. Por exemplo, para causar mais dano a um adversário, é essencial que as habilidades desenvolvidas sejam aprimoradas tanto na forma do combate quanto na estratégia de movimentação, pois nem sempre um adversário está sozinho e pode interagir com outros agindo de maneira conjunta durante o ataque. Mesmo nessa etapa, é possível escapar mediante a combinação de ataques e defesas.
Figura 6: As bolas de fogo arremessadas pela torre não estão direcionadas ao Mágico. Talvez, a trajetória pensada pelo algoritmo seja criar uma “zona” de ataque e impedir a fuga pelo lado de cima da sala. Isso pode ocorrer caso se note o ataque dos coelhos e a distância deles.
Referências Bibliográficas
FRAGOSO, Suely (2018). Glossário. Introdução aos estudos dos jogos [recurso eletrônico]. Suely Fragoso, Mariana Amaro.- Salvador: EDUFBA.
JUUL, Jesper (2019). Introdução. Half-real:videogames entre regras reais e mundos ficcionais. São Paulo: Blucher.
LEITE, Gilles P (2017). Modelagem procedural – modelos e aplicações. Games, ludi e ethos: considerações sobre a imersão em modelagens realistas [livro eletrônico]. São Paulo: Blucher, ePUB.
MILLINGTON, IAN (2006). Game AI. Artificial Intelligence For Games. Elsevier.
RUSSEL, J. Stuart; NORVIG, Peter (2013) Inteligência artificial. Rio de Janeiro: Elsevier.
TOGELIUS, Julian (2018). What Is (Artificial) Intelligence?. Playing Smart: on games, intelligence and Artificial Intelligence. Cambridge, MA: MIT Press.
TSCHANG, Ted F (2008). The Video Game Development Process. The video game explosion: a history from Pong to Playstation and beyond. WOLF, Mark J.P. (edit.). Greenwood Publishing Group, Inc, United States of America, .
__________(2005). Videogames as interactive experimental products and their manner of development. International Journal of Innovation Management , v. 9, n. 1, p. 103‐131.
WOLF, Mark (2021). Artificial Intelligence. Encyclopedia of video games: the culture, technology, and art of gaming. Mark J.P. Wolf, editor.
[1] O controle utilizado durante a pesquisa é composto por duas alavancas (direita e esquerda) botões direcionais fixos, do lado esquerdo. Do lado direito, os botões de ataque e movimentação, Y, B, X, A. No caso dessa etnografia a interface escolhida é o controle do Xbox One.