Entrevista com Prof. Guilherme Ary Plonsky, por Veridiana Domingos Cordeiro

Esta entrevista foi realizada originalmente em português em 6 de outubro de 2023.

Guilherme Ary Plonski é Diretor do Instituto de Estudos Avançados. É Professor Titular da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (Departamento de Administração) e Professor Associado da Escola Politécnica (Departamento de Engenharia de Produção) da USP. É Diretor do Instituto de Estudos Avançados, Coordenador Científico do Núcleo de Política e Gestão Tecnológica e Vice-coordenador do Centro de Inovação da USP. Foi Fulbright Visiting Research Scholar (Center for Science and Technology Policy, Rensselaer Polytechnic Institute,  EUA), Diretor Superintendente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo e Presidente da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec). É Diretor da área de Gestão de Tecnologias em Educação da Fundação Vanzolini e Coordenador de Projetos na Fundação Instituto de Administração. Foi diretor da Asociación Latino-Iberoamericana de Gestión Tecnológica e conselheiro da International Association of Science Parks and Areas of Innovation. É membro titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (ACIESP), da qual foi conselheiro até julho de 2023. É Pesquisador-Emérito do CNPq. Coordenou a rede internacional University-Based Institutes for Advanced Study (UBIAS) e integra a Junta de Governadores do Technion - Israel Institute of Technology.

Veridiana Domingos Cordeiro: Como você enxerga o papel do UAI (Understanding Artificial  Intelligence) no contexto do Instituto de Estudos Avançados?

Ary Plonski: Primeiro, vale entender o que significa o termo “avançados” do nome do Instituto. Uma das dimensões do “avanço” é olhar para os estudos iniciais de temas emergentes e buscar organizar o conhecimento heterogêneo gerado. Isso contribui, entre outros, para que a estrutura básica da universidade, que é disciplinar, ao incorporar tais temas, o faça dando-lhes contexto e amplitude. Isso se aplica à iniciativa UAI. A inteligência artificial é um tema de fronteira ao qual, de supetão, acorrem numerosos estudiosos. Ao ponto de que atualmente “tudo é inteligência artificial”. É preciso um mínimo de arrumação. O que o UAI pretende fazer, e já está fazendo, é ajudar a organizar esse campo, separando aquilo que é “hype” daquilo que demonstra ter rigor acadêmico. Em outras palavras, o UAI faz uma curadoria desse tema novo, ajudando as pessoas das áreas específicas a acessar e, posteriormente, a se debruçar sobre essa temática.

Veridiana Domingos Cordeiro: Originalmente a Inteligência Artificial era uma disciplina restrita a departamentos como o de Mecatrônica e Sistemas Mecânicos. Hoje em dia, a temática se espraiou para quase todos os departamentos e os professores estão tendo que lidar com o tópico, como você vê esse desafio?

Ary Plonski: Há duas situações a considerar. A primeira é o fato da Universidade, em sua missão de extensão, oferecer cursos para a sociedade ampla. Isso contribui para gerar um ‘negócio do conhecimento’, que envolve, entre outros, o oferecimento de seminários, webinários e consultorias, assim com a produção de livros focalizados nas diversas dimensões associadas à Inteligência Artificial. Por outro lado, há os cursos de graduação. Estes têm certa rigidez curricular, a qual dificulta a incorporação de novos temas na ‘grade horária’. O que se costuma fazer é ressignificar uma disciplina estabelecida, transformando-a pela incorporação das ‘novidades’ – até surgir uma oportunidade de reforma curricular, para então eventualmente aprová-la. O espaço dos cursos de extensão é relevante para a Universidade, por permitir uma resposta rápida a temas novos. Isso é uma forma de começar a preparar o conhecimento, organizar o material e gradualmente envolver a graduação.

Veridiana Domingos Cordeiro: Como você enxerga essa rede de pesquisadores mais jovens se organizando em torno do tema da inteligência artificial?

Ary Plonski: Primeiro sobre a idade do próprio tema. A inteligência artificial não é nova, começou nos idos de 1956, numa reunião fundadora que ocorreu no Dartmouth College, nos Estados Unidos. É o aumento do poder computacional que a torna hoje uma realidade que perpassa tantos setores, pois coisas que antes apenas se imaginava fazer, agora se pode fazer. A atenção presente é a velocidade com que caiu no gosto da população, sobretudo pelo surgimento dos LLM e, mais especificamente, o Chat GPT, que em 60 dias atingiu 100 milhões de usuários. Trata-se de um feito notável, em termos de velocidade de difusão de tecnologia.

Agora a idade da equipe UAI. Fiquei agradavelmente surpreso em ver, no evento de lançamento, tantos pesquisadores jovens em um ambiente que classicamente tem sido ocupado por pessoas mais maduras. Porque o qualificativo “agradável”? Tudo o que fazemos na Universidade deve ter uma métrica essencial: como isso beneficia os e as estudantes? Há espaço para estudantes? O IEA surge em 1986, quando da redemocratização do Brasil, ocasião em que professores de renome “cassados” querem retornar à USP após 15 ou 20 anos. Vários granjearam reconhecimento mundial no período do exílio, mas não tinham a titulação formal que passou a ser exigida na USP para ascender na carreira. A proposta de abrigar essas personalidades maduras acabou gerando uma percepção de que o IEA estava distante dos estudantes e de pesquisadores em início de carreira. Estamos conseguindo mudar isso: por exemplo, temos cerca de 85 pós doutorandos atualmente, o que tem ajudado a rejuvenescer o Instituto.

Veridiana Domingos Cordeiro: Como você enxerga o uso de inteligência artificial na sala de aula da Universidade de São Paulo, é a favor de diretrizes ou normatizações?

Ary Plonski: Primeiramente, é necessário ter um espaço onde se estude essa questão, para que se tenha o conhecimento baseado em evidências do potencial de contribuição da inteligência artificial aos processos de ensino-aprendizagem, assim como os seus efeitos colaterais. Em segundo lugar, devemos evitar posições extremas, tanto a de vedar o uso, como de “liberou geral”. Ouço um anseio de colegas docentes por diretrizes ou orientações da Universidade. Há uma preocupação natural em não inibir a criatividade e em respeitar a diversidade que há entre nós, como registrado no dístico da Praça do Relógio. A Universidade é, de fato, muito grande e variada, mas não somos uma multiversidade, somos uma universidade. Parece benéfico estabelecer alguns princípios de relacionamento da comunidade acadêmica com a IA, talvez como extensão do Código de Ética da USP, vigente há mais de duas décadas. Por exemplo, o princípio da revelação, para que se saiba se um membro da comunidade utilizou essa tecnologia numa produção acadêmica.

A regulação da inteligência artificial de forma ampla é uma questão candente, que está na ordem do dia da comunidade internacional e nacional. Temos tratado disso no IEA, na Cátedra Oscar Sala (parceria do IEA com o Comitê Gestor da Internet), no Observatório de Inovação e Competitividade e em outros foros do Instituto e na estreita parceria que temos como o C4AI. Devemos acompanhar o que que acontece no nosso ambiente relevante, em especial como outras universidades estão se posicionando. Mas devemos sempre buscar uma signature, alguma característica singular da instituição de lidar com o assunto. Em outras palavras, criar um “jeito USP” de lidar com a inteligência artificial generativa.