“Inside Facebook’s African Sweatshop” (“Por dentro da fábrica de suor africana do Facebook”)
A notícia publicada em 17.02.22, na Revista Time, com o título “Inside Facebook's African Sweatshop” (“Por dentro da fábrica de suor africana do Facebook” - https://time.com/6147458/facebook-africa-content-moderation-employeetreatment/), apesar de se reportar a fatos de já recuada data, ainda mantém sua atualidade, pois traz a temática do colonialismo de dados, relacionado com o que se tem denominado de uma nova forma de soberania digital e da nova fase do capitalismo de dados, das plataformas (Srnicek, 2016) ou capitalismo da vigilância (Zuboff, 2020), ou de “refeudalização”, representado pelo caso dos trabalhadores africanos como uma espécie de novo subprecariado, e essencial para o “big data”.
A notícia aponta para várias irregularidades na “contratação” de tais trabalhadores que atuam como moderadores de conteúdos para a empresa Facebook, corroborando com algumas análises críticas, em sentido semelhante, sobre o fato de a maior parte do Sul Global ser fonte de matéria prima de dados pessoais, em razão da maior fragilidade ou vácuo legislativo, além de também servirem de mão-de-obra digital barata e informal, “freelancers”, atuando como “zeladores de dados” através da mediação de plataformas digitais de trabalho. E no entanto, tal força de trabalho é central para o desenvolvimento das tecnologias emergentes, a exemplo da que prestam os africanos, contribuindo para a exportação do lucro para as empresas sediadas no Norte Global. Tais trabalhos, além de não terem nenhuma proteção em termos de direitos sociais, a exemplo das plataformas digitais de trabalho Upwork, Freelancer.com e Amazon Mechanical Turk, nada possuem das características de uma economia de fato compartilhada, já que os lucros ficam concentrados apenas de um lado. Tal função compreende a estruturação, classificação e rotulagem de uma grande quantidade de dados não estruturados, sendo fundamental para o “big data”, falando-se no surgimento de um novo subprecariado e na uberização do trabalho. E é uma evidente continuação da exploração colonial, em termos que se pode mesmo qualificar como “ciberescravidão”, sobre o que temos desenvolvido pesquisa em parceria com Willis Santiago Guerra Filho. Estaria ocorrendo um retorno sub-reptício ao sistema feudal, falando-se de um novo feudalismo (“techno feudalism”), neofeudalismo, ou uma "refeudalização" (Habermas) com as novas tecnologias, que avançam em termos de captologia (BJ Fogg) e superavit comportamental? Em sentido complementar, fala-se em "redlining tecnológico", termo cunhado por Safiya Umoja Noble ao se referir ao processo de discriminação de dados que fomenta a desigualdade e a opressão, com foco em comunidades que sofreram a negação sistemática de vários direitos ao longo de sua história (“Algorithms of Oppression: How Search Engines Reinforce Racism”, NYU Press, 2018). Tais temáticas são essenciais e necessitam ser abordadas adequadamente, em uma perspectiva de estudo crítico e inter/transdisciplinar da IA, bem como, para se pensar no desenvolvimento das bases epistemológicas e fundacionais para a IA voltada ao Sul Global, envolvendo, outrossim, reflexões sobre qual o nível adequado de proteção a direitos fundamentais e humanos de populações vulneráveis, via regulação e governança, em face das novas tecnologias disruptivas, em especial da IA. Vislumbramos, inclusive, em nossa pesquisa antes referida, com resultados já em vias de publicação, possa estar despontando mais que nova geração, verdadeira nova dimensão daqueles direitos, neste processo de ciberescravização, cujos sujeitos são já híbridos sócio-tecnológicos, direitos a serem consagrados em um novo contrato social, agora tecnosocial, além de natural (Michel Serres), a ser efetivamente firmado e implementado, assim evitando a situação catastrófica em que nos encontramos, em escala planetária.
Referências
SRNICEK, Nick (2016). Platform capitalism. Cambridge, UK; Malden, MA: Polity Press.
ZUBOFF, Shoshana (2020). The Age of Surveillance Capitalism: The Fight for a Human Future at the New Frontier of Power, PublicAffairs.